
Sociólogo.
Lúcio Carril
AMAZÔNIA, UMA OUTRA CONCEPÇÃO É POSSÍVEL
Uma mudança de postura em todos os níveis do governo, dos cientistas e instituições públicas em relação à Amazônia resultaria de uma outra concepção, que não fosse aquela da velha política econômica produtivista e exploradora.
A Amazônia é um espaço de vida que reúne centenas de povos e milhares de comunidades. Temos cerca de 180 povos indígenas e mais de mil comunidades quilombolas, segundo a Nova Cartografia Social. São 27,8 milhões de habitantes (IBGE, 2022), distribuídos em 775 municípios, numa área que abrange 60% do território nacional.
Essa diversidade étnica e populacional reproduz conhecimentos seculares. Não é correto se referir à Amazônia como uma mancha de potencial econômico, pronta para virar geleia nas mãos do capital internacional ou das suas concubinas nacionais e ignorar outras riquezas que consideramos importantes.
A Amazônia é um espaço de vida.
A Amazônia é um espaço onde nascemos, vivemos e criamos nossos filhos, filhas, netos, netas, bisnetos e bisnetas, homens e mulheres da floresta. É aqui que nos construímos gente, seres humanos com uma cultura arraigada em costumes e tradições herdadas de milhões de ancestrais espalhados pelas várzeas, matas e beira de rios, antes que a colonização chegasse e cumprisse sua missão genocida.
Qualquer projeto para nossa região tem que priorizar essa visão cultural e social, do contrário reproduzirá desigualdade e destruição de valores humanos construídos por séculos.
No meio dessa mata vista pela janela do avião ou de fotografias tiradas por satélites têm seringueiros, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras artesanais, agricultores familiares, piaçabeiros, peconheiros e muitos outros.
Mesmo diante de tanta riqueza cultural e diversidade social, a Amazônia tem o menor rendimento médio do Brasil.
Todos os projetos nacionais implantados ou que tentaram implantar na nossa região foram de exploração econômica e nenhum de desenvolvimento social e valorização cultural. Desde a primeira pisada do colonizador até o ataque brutal do capital só destruição foi feita.
Nós, povos da Amazônia, das cidades, dos rios e da floresta, queremos que aqui se implante políticas públicas estruturantes, com sentido humano, social e cultural. Que nossas riquezas naturais sirvam de proteção ao ambiente que vivemos e não para a ganância do capital.
Nossa gente da floresta ainda vive na perspectiva da solidariedade e não do lucro. É possível desenvolver a Amazônia sem destruí-la, basta respeitar nossos modos de vida.
Esperamos que o governo Lula e os governos estaduais tenham sensibilidade e compromisso com os nossos povos e com o meio ambiente e saiam do discurso vazio e demagógico, usando nossa região apenas como cartão de visita.
Aqui têm brasileiros e brasileiras que merecem um olhar sério e não de oferta da Amazônia para o capital nacional e internacional.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 04.09.2025
UM ALERTA AO POVO DE BEM (I)
Desde o século XIX que tem gente anunciando o fim da história. Hegel sentenciou que o liberalismo era o auge da humanidade e o prenúncio do fim dos processos históricos. No século XX, Francis Fukuyana comemorou o triunfo do capitalismo e da democracia liberal, após a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética.
O certo é que estamos vivos e enquanto houver vida ninguém tomará dois banhos no mesmo rio.
A história continua e tem no antagonismo de classes sua força motriz. O mundo não pode acabar enquanto houver tanta desigualdade e injustiça. Anunciar o fim da história é anunciar o fim do mundo, o fim de todo movimento, da física, da política, das ciências humanas e sociais.
Como estamos vivos e a luta continua, quero chamar atenção das almas sonhadoras e persistentes no projeto de uma sociedade justa e igualitária para umas questões que me afligem.
1 - O STF é parte de um Estado classista, que existe para defender os interesses da classe dominante. A justiça é classista. O fato da suprema corte está cumprindo sua missão constitucional não pode servir de cortina de fumaça para encobrir seu papel histórico. Alexandre de Moraes tem sido um ministro honrado e comprometido com a constituição, mas ele não é do nosso lado, do lado dos excluídos. Não se espante quando ele estiver nos ferrando.
2 - A Globo e toda mídia patronal são golpistas e servem somente aos seus interesses. Se um dia elas foram contra o golpe, isso não as torna menos sórdidas. A mídia corporativa é um aparelho ideológico de Estado e o Estado é burguês.
3 - Nossos aliados políticos são apenas aliados. Eles não compõem nosso bloco histórico que almeja por transformação social. Hoje estão com a gente, mas amanhã estão com nossos inimigos. Foi assim com o centrão e foi assim em toda história política do mundo. Não podemos nos iludir e defender essa gente como se fosse parte da nossa vida de militante.
4 - Nossas composições eleitorais não são de classe. Elas apenas correspondem a um momento político. Talvez aqui resida o equívoco da esquerda em não criar um bloco histórico que lute pelo socialismo e por uma democracia participativa. Então, não se apaixone pelos candidatos de fora, nem por nossos aliados eventuais.
5 - Putin não é de esquerda (ele é de direita) e a Rússia deixou de ser socialista início dos anos 1990. A Rússia desde lá é capitalista, daí Fukuyana ter anunciado o triunfo do capitalismo e da democracia liberal, e Putin foi eleito pela força dos "oligarcas", uma elite formada por milionários e bilionários russos. Claro, entre Rússia e EUA, estamos com a Rússia, porque ela faz parte dos BRICs e enfrenta o império americano. Mas não faça defesa apaixonada de Putin e da Rússia.
Esses alertas servem apenas para quem tem o olhar histórico da luta política e social, quem sabe que a história não acabou e que o capitalismo não é o melhor sistema para embalar nossos sonhos de justiça e solidariedade. Fica a primeira dica.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 28.08.2025
A DIMENSÃO DO PRECONCEITO
Estamos acostumados a ver e tratar o preconceito na sua restrita e explícita ação. É homofóbica a manifestação grosseira. É misógina e/ou machista as ações criminosas e opressivas e no preconceito racial nos indignamos com o discurso e a prática da Casa Grande.
Mas o preconceito existe de forma mais profunda e estruturada. Ele elimina o outro, seja através da imposição da sua verdade, pelo desejo de se sentir superior ou pelo interesse de poder. O preconceituoso é autoritário e o preconceito está entranhado no tecido social.
O preconceito está presente no cientista que se acha o dono da verdade e que vê na sua verdade uma verdade superior às demais verdades do mundo. Ele, o preconceito, é escroto e não é um desvio que afeta apenas os ignorantes.
Ele é um instrumento de poder.
O preconceito é opressivo e não é uma ação espontânea. Ele é uma ideologia construída, uma forma e um conteúdo que buscam a imposição pela desqualificação do outro.
Ninguém nasce racista, homofóbico ou misógino. Isso tudo é construído e pode se manifestar de várias maneiras. Não se trata de uma prática esporádica, mas de uma conduta. Às vezes, o indivíduo nem sabe que está sendo preconceituoso, mas está. Ele nem sabe que está sendo racista, mas está. É estrutural.
O preconceito não deve ser combatido apenas com a punição legal. Ele deve ser enfrentado nas escolas, nas famílias e em toda sociedade como uma vergonha para a humanidade e para qualquer ser humano. É preciso mostrar como ele se manifesta e oprime.
O preconceito é uma ideologia e não somente um desvio de caráter.
O machista é um preconceituoso que envergonha a condição humana. O homofóbico também, mas por vezes é um traumatizado que reprime sua sexualidade. O machista pode ser um homem que tem inveja da feminilidade da sua companheira e a discrimina por isso.
Eles foram ensinados a reprimir suas pulsões e essa autorrepressão vira opressão ao outro.
Tem muita coisa por trás do preconceito e do preconceituoso. O combate a essa conduta deve se dar na autorreflexão, na busca por se libertar da maldade construída por quem quer manter a humanidade na mesquinharia.
Mesmo o preconceito se tratando de construção ideológica da classe dominante, imposta à classe dominada, ele não pode ser combatido apenas no campo objetivo.
No diálogo com a subjetividade, o indivíduo pode se reconstruir como ser sensível, terno e humano, sem se deixar oprimir pela espada infame da subjugação e da humilhação.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 14.08.2025
É PRECISO AMAR PARA TRANSFORMAR O MUNDO
Não é incomum o debate que envolve a reflexão sobre a existência da emoção em processos reivindicados pelo pensamento racional. A complexidade do pensamento exige essa discussão. Não é mais possível criar uma dicotomia como se fosse um conflito entre o bem e o mal.
Na verdade, essa fragmentação razão/emoção tem seu ápice na modernidade, com a ciência querendo o título de domínio de uma suposta racionalidade instrumental e objetiva.
O pensamento que dominaria a verdade e a colocaria a serviço do desenvolvimento humano foi instrumentalizado para gerar e justificar a dominação de novos impérios e nova classe social. O que era pra libertar, oprimiu dolosamente.
A razão da era moderna foi logo abrindo os braços para uma guerra mundial e para a criação de potências imperialistas dispostas a tudo para ampliar seu alcance. O mundo ocidental fez da nova verdade a sua religião e a ciência passou a se proteger no alpendre da igreja comteana.
Ora, com uma razão instrumental que apenas mudou de sujeitos é inexorável trazer à tona o justo desejo da paixão e de todas emoções capazes de iluminar o ser. A fragmentação razão/emoção não se justifica sem causar constrangimento.
Precisamos desafiar as velhas formas de pensar e abrir espaço para a construção de outros diálogos, capazes de criar novas expectativas de vida.
A emoção não pode ficar sob o manto da irracionalidade, se a razão foi incapaz de recriar o ser humano. É preciso tratar a paixão, o amor, a felicidade, o desejo como partes intrínsecas do pensamento moderno e de uma nova cosmovisão.
A sociologia já se desprendeu desse caminho pedregoso da razão pura e mergulhou no estudo da estética, não só como princípio da arte, mas fundamentalmente em referências às emoções.
Não é possível estudar a sociedade sem considerar os indivíduos e suas construções como seres sensíveis. A sociedade é construída da razão e da emoção. Ainda bem. Imagina um mundo somente da razão. Não seríamos gente, mas máquina, tal qual tenta nos fazer o capitalismo.
Para transformar o mundo, é preciso potencializar todas as emoções potencialmente transformadoras do ser.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 03.08.2025
A PACIFICAÇÃO DOS MORTOS
O Brasil está dividido há séculos, desde o primeiro momento da chegada dos colonizadores.
Como poderia haver pacificação quando saqueadores europeus chegaram na Terra das Palmeiras empunhando arcabuzes e espadas, matando em nome de Deus e em nome do rei.
Do lado daqui, milhões de indígenas. Do lado de lá, expedições à procura de riqueza para roubar.
Nunca foi pacífico. Eles sempre mataram e roubaram.
Não pode haver pacificação entre grileiros, que se apropriaram de terras públicas, quase todas as terras disponíveis, e agricultores que produziam para seu sustento, da sua família e do Brasil, numa sobra de áreas permitidas pelo Estado oligárquico.
Hoje, a propalada pacificação da extrema direita brasileira, aquela apelidada de bolsonarista, é a pacificação dos mortos.
É aquela do "não use máscara e encha os cemitérios" de um lado e seus agentes públicos corruptos negociando o aumento de um real em cada dose de vacina, para enriquecerem às custas da vida de 700 mil brasileiros e as famílias das vítimas, que sofrem as perdas dos seus entes até hoje.
Como pode haver pacificação entre quem mata e quem morre?
O Brasil tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Somente cinco bilionários acumulam fortuna equivalente aos salários de 100 milhões de brasileiros juntos.
Como pode haver pacificação entre quem trabalha seis dias na semana e não tem suas necessidades de vida supridas e meia-dúzia de exploradores, donos de bancos e indústrias, que não produzem nada e se apropriam da riqueza produzida pelo trabalhador?
Não existe pacificação entre a vítima e o carrasco.
Não pode haver pacificação entre os que defendem o fascismo, essa corrente política que adora a tortura e a morte, e os que defendem o respeito mútuo, o voto popular, o pluralismo partidário e a tolerância.
Fascista é um ser das trevas. Ele é incompatível com a civilização. Atua na democracia para derrubar a democracia e instaurar o obscurantismo.
Não pode haver pacificação entre o racista, o misógino, o homofóbico e as vítimas mortas pelo preconceito por eles defendido.
Não é possível haver pacificação entre aquele que morre e aquele que mata ou apoia o crime.
O Brasil continuará dividido até não existir mais tanta maldade de um lado e tanto sofrimento de outro. Enquanto uns tiverem tudo e outros não tiverem nada. Enquanto uns se apropriarem do trabalho de muitos para ficarem milionários e os muitos trabalharem sem direito a quase nada.
O Brasil continuará dividido enquanto existirem falsos cristãos, que fogem aos desígnios do seu Deus e seguem o caminho do capeta, enquanto outros cristãos querem apenas a bondade como construção da humanidade.
Não haverá pacificação entre o Brasil dos brasileiros e os traidores da pátria.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 27.07.2025
A PACIFICAÇÃO DOS MORTOS
O Brasil está dividido há séculos, desde o primeiro momento da chegada dos colonizadores.
Como poderia haver pacificação quando saqueadores europeus chegaram na Terra das Palmeiras empunhando arcabuzes e espadas, matando em nome de Deus e em nome do rei.
Do lado daqui, milhões de indígenas. Do lado de lá, expedições à procura de riqueza para roubar.
Nunca foi pacífico. Eles sempre mataram e roubaram.
Não pode haver pacificação entre grileiros, que se apropriaram de terras públicas, quase todas as terras disponíveis, e agricultores que produziam para seu sustento, da sua família e do Brasil, numa sobra de áreas permitidas pelo Estado oligárquico.
Hoje, a propalada pacificação da extrema direita brasileira, aquela apelidada de bolsonarista, é a pacificação dos mortos.
É aquela do "não use máscara e encha os cemitérios" de um lado e seus agentes públicos corruptos negociando o aumento de um real em cada dose de vacina, para enriquecerem às custas da vida de 700 mil brasileiros e as famílias das vítimas, que sofrem as perdas dos seus entes até hoje.
Como pode haver pacificação entre quem mata e quem morre?
O Brasil tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Somente cinco bilionários acumulam fortuna equivalente aos salários de 100 milhões de brasileiros juntos.
Como pode haver pacificação entre quem trabalha seis dias na semana e não tem suas necessidades de vida supridas e meia-dúzia de exploradores, donos de bancos e indústrias, que não produzem nada e se apropriam da riqueza produzida pelo trabalhador?
Não existe pacificação entre a vítima e o carrasco.
Não pode haver pacificação entre os que defendem o fascismo, essa corrente política que adora a tortura e a morte, e os que defendem o respeito mútuo, o voto popular, o pluralismo partidário e a tolerância.
Fascista é um ser das trevas. Ele é incompatível com a civilização. Atua na democracia para derrubar a democracia e instaurar o obscurantismo.
Não pode haver pacificação entre o racista, o misógino, o homofóbico e as vítimas mortas pelo preconceito por eles defendido.
Não é possível haver pacificação entre aquele que morre e aquele que mata ou apoia o crime.
O Brasil continuará dividido até não existir mais tanta maldade de um lado e tanto sofrimento de outro. Enquanto uns tiverem tudo e outros não tiverem nada. Enquanto uns se apropriarem do trabalho de muitos para ficarem milionários e os muitos trabalharem sem direito a quase nada.
O Brasil continuará dividido enquanto existirem falsos cristãos, que fogem aos desígnios do seu Deus e seguem o caminho do capeta, enquanto outros cristãos querem apenas a bondade como construção da humanidade.
Não haverá pacificação entre o Brasil dos brasileiros e os traidores da pátria.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 25.07.2025
A MORTE FELIZ DO ANALFABETO POLÍTICO
Ter consciência das coisas do mundo nos faz sofrer. Ao olhar determinada realidade identificamos logo os sujeitos e as causas do problema, passando a questionar em seguida os meios que poderiam levar à superação daquela situação; uma chatice que persegue quem aprendeu a analisar o que vê.
Feliz mesmo é o alienado, que sorri diante da sua desgraça, achando que é obra divina ou resultado da sua incapacidade de fazer. Brecht chamava esses seres metafísicos de "analfabetos políticos", justamente aqueles que não sabem que o preço do pão e da carne é obra humana e não resultado de uma lei atemporal.
Ao não saber das coisas do mundo, o alienado aceita tudo com resignação e não sofre além daquilo que não satisfaz suas necessidades materiais de vida.
Tenho refletido se é verdade que o alienado quer manter seu estado de letargia mental para não sofrer e assim seguir sua vida feliz como é. Talvez seja uma autodefesa seu distanciamento da consciência crítica. Penso assim em razão da insistência de muitos desses seres estranhos em não aceitar informação ou uma explicação da realidade.
Nem falo de uma reflexão dialética, mas somente de um raciocínio simples das relações políticas e sociais.
Basta você começar a explicar as causas de um problema que o incauto pula, foge ou simplesmente ignora. Ele não quer saber das coisas do mundo.
Fico eu aqui no meu sofrimento e na minha chatice reflexiva, enquanto outros seres acenam e sorriem para sua exploração e seu explorador.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 13.07.2025
O BOI DE PARINTINS, A AMAZÔNIA E SEUS INIMIGOS
Encerrou nesse domingo passado o Festival de Parintins, uma expressão artística e cultural no meio da floresta amazônica, criado e desenvolvido pelo povo caboclo da ilha e incorporado por uma massa de brincantes e admiradores do folclore popular.
O festival é único no mundo, porque mergulha na ancestralidade dos povos da floresta, buscando representar suas lendas, mitos e lutas. É uma ópera a céu aberto, como no antigo teatro grego. Mas na sua arena passam histórias de resistência dos muitos povos que viveram na Amazônia e outros que até hoje vivem.
Depois que o Boi de Parintins ganhou fama nacional, alguns personagem contrastante da festa passaram a ser vistos no bumbódromo. São visitantes ilustres do festival, uma cambada de gente declaradamente inimiga do meio ambiente. Essa horda chega na festa como estrela, autoridade, e torce pelos bois, que encenam a beleza e a história dos povos que aqui moram e resistem.
Adormece nossa indignação. Não houve, e não há, manifestação contra os facínoras que projetam destruir a Amazônia. Eles chegam impunes na ilha, como se o brado da cultura popular e o clamor por justiça nos enredos dos Bois não os tivessem como alvos.
Vira tudo uma grande farsa, quando essa corja é recebida com a hospitalidade que temos pela gente de bem que nos visita. Farsa porque não se trata de gente de bem. São inimigos da vida e de tudo que ela produz de belo na natureza.
A festa é bonita. A mensagem da festa é clara, profunda e forte. O Festival de Parintins é um grito da Amazônia pelo respeito aos povos que nela habitam. Seus inimigos desrespeitam nossa gente quando chegam nos seus jatinhos, bebem, transam e sorriem enquanto planejam a destruição de tudo que existe aqui como patrimônio natural.
Não chegam em aviões. Surgem nos seus zepelins gigantes, como na música de Chico Buarque. Eles vêm, se lambuzam a noite inteira e partem impunemente.
O Festival de Parintins é uma manifestação folclórica de resistência cultural da Amazônia. Não é picadeiro de político pilantra, que vota no congresso nacional contra o meio ambiente e os povos indígenas. É muita cara de pau essa corja aparecer na nossa festa. São penetras indesejáveis.
Escrevo com a indignação de um caboclo. Vi figuras nefastas chegando em Parintins e sendo comemoradas. Sei que o Festival é para todos que apreciam a cultura popular, mas não posso deixar de protestar contra os que zombam da nossa luta com suas presenças sórdidas.
O Boi de Parintins é um grito da Amazônia contra a destruição da floresta e a dizimação dos seus povos. Os inimigos da natureza não são bem-vindos. Eles que procurem outras freguesias.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 02.07.2025
MOTOS, MOTOCICLISTAS E BURACOS EM MANAUS
Acordo nesta segunda-feira com a trágica notícia da morte de uma mulher grávida, vítima de acidente de moto numa das principais avenidas de Manaus. Seu marido, o condutor, perdeu o equilíbrio do veículo após passar por um buraco. Morreu a mãe e o bebê, prestes a nascer.
Infelizmente, não se trata de um caso isolado.
Manaus virou um caos em acidente envolvendo motociclistas. Em 2024, das 309 mortes no trânsito, 158 foram motociclistas, segundo o Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU). Um aumento de 32% em relação ao ano anterior.
O Departamento Estadual de Trânsito do Amazonas (DETRAN-m) anunciou que em abril deste ano Manaus atingiu
1.004.021 veículos registrados. Desse total, 455.608 são automóveis e 337.464 são motocicletas. São 2,27 habitantes por veículo. No ano 2000, eram 8,3 Hab./Veic.
Esses números revelam a dimensão de um caos no trânsito de Manaus quando sabemos que apenas 2% da frota são para transporte coletivo e 93% são para transporte privado, que atende a menor parte da população.
Com um sistema de transporte público deficitário, que nunca melhora, aumentou o número de motos fazendo esse serviço, mas também aumentou o número de acidentes. Entre 2020 e 2024, foram 1.228 mortes de motociclistas em todo o estado, o que representou 54% dos óbitos por acidentes terrestres no Amazonas. Desse total, 60,9% foram em Manaus.
É certo que houve um crescimento de acidentes com vítimas fatais no trânsito em todo o país, segundo o Atlas da Violência do IPEA, divulgado este ano. Em 2023, foi registrado um aumento de 2,5% em relação ao ano anterior. Já especificamente com acidentes envolvendo motocicletas, a alta foi de 12,5%. O Amazonas ficou em 5ª posição, com 57,3% dos óbitos causados por acidentes envolvendo motocicletas.
E os custos para o país e para a sociedade?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em países com renda como a do Brasil, os custos com acidentes de trânsito podem variar entre 3% a 5% do PIB. Somente com internações de motociclistas, as despesas do SUS ultrapassaram 2,4 bilhões de reais entre 2014 e 2024.
Entre os meses de janeiro e novembro de 2024, o custo com as internações de motociclistas acidentados no SUS foi de R$ 233,3 milhões. Foram 148.797 motociclistas internados no sistema de saúde público, em decorrência de acidentes em todo o Brasil.
O custo médio de um paciente acidentado para o SUS é em torno de 60 mil reais/mês, incluindo internações, cirurgias e reabilitação.
Estamos falando de um problema de profunda gravidade social. Tanto os acidentes que deixam as vítimas sequeladas como as mortes afetam milhares de familias. A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) calcula que para cada paciente hospitalizado, outras quatros pessoas são impactadas.
E os buracos do prefeito?
Como se não bastasse o sistema caótico de transporte coletivo com uma das maiores tarifas do país, o sistema viário de Manaus não suporta tanto veículos. O crescimento da cidade não foi planejado e os gestores que passaram pela prefeitura sequer sabem o que é planejamento. Há um acúmulo de estupidez e descaso.
Manaus terá este ano um orçamento de 10,5 bilhões de reais. Somam-se a esse valor, os mais de 4 bilhões de empréstimos feitos pela gestão do atual prefeito. É dinheiro saindo pelo ralo. Pelo ralo mesmo, porque não tem dado nem para tapar os buracos das principais vias da capital, o que tem provocando aumento dos acidentes, principalmente com motocicletas. Acidentes com vítimas fatais e muita gente internada nos hospitais públicos.
São quase 15 bilhões de reais para execução neste ano, considerando orçamento e empréstimos. Como que Manaus continua um caos no transporte coletivo, nas vias de trânsito, com calçadas quebradas, faltando remédios nos postos de saúde, etc.? Não há explicação plausível.
Em relação ao trânsito, principalmente sobre o transporte de motocicletas, a prefeitura de Manaus precisa elaborar uma política para tratar do problema. Não dá pra ficar fazendo de conta que está tudo bem, enquanto pessoas morrem ou ficam por meses hospitalizadas, outras tantas com sequelas pelo resto da vida.
É preciso reunir com empresas que usam o serviço de entrega com motos e elaborar um plano para melhorar a educação de trânsito dos condutores. É preciso criar um plano de melhoria das vias de Manaus, sem embromação e mentiras. É preciso inserir no currículo das escolas da Semed a educação no trânsito. Essas escolas atendem crianças e nelas é possível criar uma cidade mais cidadã, com respeito ao outro.
Na Espanha foi feito isso e houve uma redução de 60% dos acidentes. São medidas a médio e longo prazos, planejadas, mas necessárias. É fundamental o olhar para a educação das novas gerações.
É preciso fazer muitas coisas, inclusive uma gestão pública mais responsável e humana. Manaus agradece.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 26.06.2025
AS ADEGAS E O PRECONCEITO SOCIAL
Foi apenas no ano passado que tive conhecimento das chamadas Adegas, em Manaus. Tratam-se de encontros festivos de jovens, com música alta, dança, bebidas alcoólicas e sociabilização entre grupos.
São jovens da periferia, sem espaços de lazer, cultura e esporte onde moram, que resolveram criar um ambiente de descontração a custos baixos, com músicas tocadas em potentes caixas de som, venda de cervejas a preços promocionais e onde também podem levar suas batidas em garrafas de pets, preparadas em grupo antes das festas.
Não tardou para o movimento sofrer discriminação, com grande parte da mídia manauara fazendo uma campanha para criminalizar esses encontros, criando estigma como espaço de violência, consumo de drogas e poluição sonora.
Não é a primeira vez que um movimento espontâneo da juventude sofre preconceito embalado por profissionais despreparados, que usam os meios de comunicação para propagarem suas frustrações pessoais ou mesmo sua hipocrisia velada.
As raves sofreram essa perseguição.
Com luzes fortes, batidas estridentes da música eletrônica, dança interativa, as raves eram- e são - espaços de expressão artísticas e de sociabilidade entre grupos e tribos urbanas. No entanto, suas festas foram duramente reprimidas, mesmo ocorrendo em galpões abandonados e lugares afastados. O estigma para a repressão era o mesmo: uso de drogas.
Hoje, as raves são promovidas até mesmo por empresas de eventos e seguem como espaço jovem.
As Adegas, assim como as Raves, surgiram da ausência do Estado nas periferias das grandes cidades, onde não há espaço de lazer, não existem centros culturais, as políticas públicas de promoção cultural não chegam, as escolas permanecem fechadas no fim de semana, com seus ginásios esportivos e salas sem acesso para a comunidade. Enfim, não tem para onde escapar no fim de semana e sair do cotidiano massacrante.
As Adegas, assim como as Raves, são espaços de transgressão, de liberdade, de fuga do estresse diário imposto pela carência social. Lá, os jovens bebem, dançam, ouvem as músicas da sua geração, interagem com outros jovens e outros grupos de bairros diferentes. É o momento de dar um tempo para as regras sociais que lhes consomem e pouco oferecem de bom.
As posições que tentam estigmatizar as Adegas são as mesmas que protegem os territórios elitizados de Manaus, onde as drogas correm soltas, a violência é praticada com sadismo, mulheres são estupradas e surradas por homens drogados e sórdidos. Para esses lugares, nenhuma campanha da mídia para intervenção policial, para fechamento dos bares nos quais se cometem assassinatos e agressões. É muita hipocrisia e pouco profissionalismo.
As Adegas apenas reproduzem a vida como ela é na periferia. Lá, digo, aqui, pois escrevo este texto na minha casa, no bairro da redenção, área favelizada na zona centro-oeste de Manaus, no sábado e no domingo, o trabalhador abre o porta-malas do seu calhambeque e põe seu potente som para tocar. Um vizinho põe a churrasqueira e o outro já aparece com a caipirinha. Pronto, a Adega está montada.
Deixem nossa gente ser feliz. Deixem nossos jovens construírem seus espaços de descontração. Se o Estado está preocupado com as drogas e uma violência esporádica, que se ponha a serviço dessa juventude, sem preconceito, apenas cumprindo seu papel institucional. A juventude não quer cacetete e balas, quer política pública de inclusão social e respeito.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 14.06.2025
PELA BR-319, CONTRA O PL DA DEVASTAÇÃO
Semana passada, o Brasil presenciou uma das mais grotescas cenas protagonizadas no senado federal, tendo como atores dois senadores canastrões, um do estado de Rondônia e outro do Amazonas, contra a ministra do meio ambiente, Marina Silva. Apesar de envolver três políticos da região norte, o foco foi o Planeta Terra.
O motivo do debate foi em torno da pavimentação da BR 319, rodovia que liga o Amazonas ao restante do Brasil, mas por trás da posição não revelada dos senadores estava a defesa de setores econômicos contrários à sustentabilidade ambiental e, até mesmo, interesse particular, como no caso do senador Plínio Valério, do Amazonas.
Plínio Valério já foi denunciado por tentar licença para explorar ouro em Terras Indígenas, no município de São Gabriel da Cachoeira. Em 1983, ele entrou com cinco pedidos no órgão federal responsável. Todos foram rejeitados. O senador tucano, que já foi da ARENA, partido de sustentação política da ditadura militar, também é conhecido por possuir área na RDS tupé, em Manaus, onde aluga para turistas, atividade proibida por lei.
A BR 319 é só uma cortina de fumaça.
O foco central é o PL 2159/2021, em tramitação no Congresso Nacional, conhecido como PL da devastação, que acaba com o licenciamento ambiental, ameaça os ecossistemas e as populações tradicionais e põe em risco o Brasil e o planeta.
Mas e a BR 319? Ela será beneficiada pelo fim do licenciamento?
A BR 319 está com seu entorno todo protegido, com áreas destinadas para reforma agrária e unidades de conservação. Ainda no primeiro governo Lula, se iniciou o processo de proteção das áreas pertencentes à União, com a decretação de uma ALAP - Área de Limite Administrativo Provisório, e, posteriormente, foi feita sua destinação, a partir de audiências públicas e reuniões da câmara técnica criada em Brasília.
O que falta é a presença do Estado Brasileiro para proteger essas áreas, de acordo com a Constituição Federal. As três esferas do executivo têm responsabilidades, inclusive o ministério do meio ambiente, que tem obrigação de criar um plano de proteção das Unidades de Proteção, da floresta e dos recursos hídricos. O MMA tem que coordenar essa ação e deixar de querer terceirizar o problema para os buracos, lamas e pontes caídas.
Marina Silva não pode ser o bode expiatório contrário à BR 319, mas hoje ela é a ministra do meio ambiente. É bom lembrar que foi durante seu exercício no MMA, de 2003 a 2008, que o entorno da rodovia foi blindado e se iniciou o processo de construção do EIA/RIMA para pavimentação da estrada.
Marina não é inimiga do Amazonas. Essa missão é do senador Plínio Valério e seu espírito de destruição do meio ambiente e de todos valores morais, éticos e de boa educação.
A BR 319 não pode servir de cortina de fumaça para os inimigos do meio ambiente, assim como Marina Silva não pode se eximir da responsabilidade de construir políticas de proteção ambiental da rodovia. A estrada já existe há 50 anos e hoje é uma rodovia federal sem lei, pela ausência do Estado.
Grileiros, madeireiros ilegais e outros criminosos viraram senhores feudais das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares, extrativistas e outros povos da floresta.
Na esteira desse problema e facilitando a ação do crime na BR, está o terrorismo ambiental contra a rodovia, com a criação fake news como a de que a pavimentação da estrada vai acabar com a vida no planeta, a partir da abertura de um corredor para novas pandemias ou que o fim dos buracos, lama e pontes caídas acabarão com a economia no sul do país.
Tem um malfazejo fazendo isso e recebendo apoio da mídia corporativa, que também tem interesse no isolamento terrestre do Amazonas e na ação impune do crime organizado na Amazônia.
A BR 319 é um direito do povo do Amazonas, mas queremos preservação ambiental e segurança para nossos povos. O Estado brasileiro tem essa obrigação constitucional.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 03.06.2025
A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA CONTRA A MULHER
As Nações Unidas definem a violência contra as mulheres como "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos, coação ou privação arbitrária de liberdade, seja em vida pública ou privada".
A violência simbólica contra a mulher é a mais comum e o amparo legal para combatê-la é tênue, já que se manifesta pela imposição de valores morais, culturais e sociais. Ela ocorre e se reproduz naquilo que Althusser chama de Aparelho Ideológico de Estado, se incrustando no tecido social, sem que se apresente como uma violência, porque não é física.
A violência simbólica termina por se tornar a base cultural da violência física. Ela começa tirando da mulher seu lugar de fala, impondo o silêncio dos mortos. Para isso, o uso de valores morais, religiosos e culturais sustenta a submissão, o escárnio e a exclusão. Existe um tempo estruturado para a subjugação física, através da violência extrema e até mesmo da morte.
Essa violência, a simbólica, é a mais perniciosa, porque é ideológica e envolve o espírito das vítimas, afetando seu estado psicológico. Não ocorre por acaso. É um projeto de poder. Nem sempre foi assim. A subjugação da mulher se tornou realidade nas sociedades divididas em classes sociais, com uma classe oprimindo a outra, ou seja, ricos explorando e subjugando quem produz a riqueza.
Nas sociedades antigas, quando não havia a produção de excedente a partir das exploração do trabalho do outro, mulher e homem tinham funções sociais distribuídas de forma harmoniosa, para garantir a existência da família e do grupo social.
Na nossa sociedade, desde o surgimento das primeiras organizações daquilo que viria a se configurar como Estado, a opressão da mulher se tornou objeto de poder, seja do homem ou da classe social dominante. Isso criou uma estrutura social, cultural, política e ideológica, com valores, crenças, padrões estéticos, linguagens e supremacia racial para manter a dominação social e patriarcal.
Para quem quiser entender com profundidade a violência simbólica, sugiro a leitura de Pierre Bourdieu, sociólogo francês que desenvolveu o conceito.
E por que resolvi abordar esse tema hoje?
Me chamou muito a atenção nos últimos dias os ataques sofridos pela primeira dama do Brasil, a socióloga Janja Lula da Silva, pela mídia corporativa e pelos machistas e pelas machistas de plantão nas redes sociais. A manifestação da violência simbólica se abateu sobre a mulher Janja de forma sistêmica, impactante, preconceituosa e sórdida.
Como se trata de uma violência escondida sob o manto da moral e dos bons costumes, o patriarcado logo se tornou especialista em protocolo diplomático. Jornalistas, homens e mulheres, passaram dias atacando a primeira dama porque ela emitiu uma opinião - e tomou uma posição - ao presidente chinês sobre a desordem das mídias virtuais.
Nesse caso, houve a intenção de condenar uma interlocutora de qualidade, lhe tirar a palavra e colocá-la numa condução decorativa, de um lado, e por outro, porque ela incomodou a indústria de mentiras que usa o espaço virtual para criar uma realidade paralela. Janja não se intimidou, como deve ser com toda mulher que luta pela emancipação feminina.
No centro de toda ação, o protocolo reivindicado foi o do patriarcado e da dominação política e ideológica. Esse está no sangue da sociedade machista, misógina e opressora. O protocolo diplomático foi apenas uma cortina de hipocrisia para esconder a violência de gênero.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 25.05.2025
A CRISE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Poderia ser risível se não fosse um escárnio a câmara federal aumentar o número de deputados federais e, por conseguinte, as assembleias estaduais aumentarem suas bancadas. Justamente num momento de crise acentuada da democracia liberal no mundo.
Sim, a crise da democracia representativa liberal está posta há mais de um século. O modelo iniciou em meados do século XVII na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa e a imposição de limites ao absolutismo, criando uma monarquia parlamentarista, e se espalhou pelo século XVIII, através do pensamento iluminista e a Revolução Francesa.
Chegou ao século XX com a força de uma formiga, carregando um peso maior do que supunha aguentar. Não demorou para fazer eclodir governos autoritários na Europa. No final da segunda década desse século, seu parceiro, o liberalismo econômico, pariu a Grande Depressão nos Estados Unidos, país conhecido como referência da democracia liberal.
A democracia representativa tem se mostrado frágil para garantir direitos coletivos. Foi importante para substituir as autocracias monárquicas, mas vem se apresentando como o problema causal da exclusão social e limitação dos direitos individuais e coletivos, imposto por instituições colapsadas na sua capacidade de representação.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, no livro Ruptura: a crise da democracia liberal, resume com clareza essa crise, ao revelar que a democracia liberal criou um distanciamento entre governos e cidadãos. As eleições não têm sido suficientes para aprofundar a representação, pois os representantes terminam por constituir um grupo de interesses divorciado dos interesses dos seus representados:
"A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representarem”.
Isso ficou claro nos últimos anos no parlamento brasileiro. Deputados criaram instrumentos de ocultação do uso do recurso público, através do "orçamento secreto" e "emendas pix", agravando o sistema representativo na proporção que votavam contra zerar impostos da cesta básica e pela retirada de direitos sociais conquistados nas últimas décadas.
A população tem se mostrado alheia ao processo eleitoral, como se o voto popular não fosse o responsável pela escolha dos seus representantes. Não existe um sentimento de pertencimento com a coisa pública. Essa descrença tem proporcionado a ascensão de governos autoritários no mundo, sob a bandeira da não-política.
Somam-se a isso, partidos políticos frágeis e um judiciário classista, composto por castas e enclausurado na vaidade dos seus agentes públicos.
Aqui no Brasil, a democracia liberal está levando o país a uma grave crise política, com dois lados opostos se engalfinhando como numa disputa entre o bem e o mal. De um lado, o liberalismo econômico e seu anseio de ter o Estado transformado em empresa, e de outro, segmentos políticos e sociais lutando para garantir direitos democráticos de um sistema em crise.
O mundo só vai sair do século XVIII quando começar a usar os novos recursos tecnológicos para construir uma democracia de participação direta do cidadão. A democracia participativa é uma exigência política e civilizatória dos nossos tempos. O poder à sociedade civil é o único caminho capaz de consolidar a democracia, impedir governos autoritários e garantir direitos políticos e sociais que assegurem participação do cidadão e da cidadã e bem-estar social.
Temos todos os instrumentos que possibilitam a democracia direta e no caso do Brasil, a Constituição de 1988 garantiu a participação popular nos destinos da nação. Infelizmente, até hoje apenas um plebiscito foi feito para ouvir o povo brasileiro sobre o sistema político. Temos as bases legais para avançar na consolidação de um regime político que ouça o povo, fortaleça as instituições e diminua a representação.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 14.05.2025
TRABALHO E DIGNIDADE
Vamos falar de trabalho neste mês do trabalhador.
Desde criança que ouvimos dizer que o trabalho dignifica o homem. Pois lhes digo: o trabalho não dignifica o homem nem a mulher.
O que dá dignidade ao ser humano é viver honestamente. É a conduta moral e ética de como o indivíduo constrói sua vida é que lhe dá dignidade.
O trabalho se mostrou um bem dadivoso enquanto o homem e a mulher o utilizaram para conseguir sua sobrevivência na natureza.
Mas quando apareceram uns espertalhões e começaram a se apropriar de mais coisas do que precisavam, o trabalho virou o único meio de fazer crescer a ganância. Logo se inventou a escravidão.
Depois, quando era dispendioso manter escravos, inventaram o salário e mandaram o dono da força de trabalho se virar com uma quantia insignificante, geradora de fome e miséria.
Até hoje, o trabalhador só ganha por duas horas das oito que trabalha. As seis horas do seu suor vira lucro para o patrão, dono da empresa. E das duas horas pagas o trabalhador ainda tem que comprar o objeto que ele produziu.
Você já ouviu falar em mercado?
O mercado que a mídia fala não é o local onde a gente compra a comida. É a reunião daqueles que se apropriam das seis horas da tua força de trabalho.
O mercado só olha para uma coisa: o lucro. E esse lucro ele consegue explorando o trabalho do trabalhador.
Como barrar isto, essa ganância desenfreada daquele que vive do teu trabalho?
No mundo onde eles mandam, só a organização do trabalhador pode fazer o enfrentamento à exploração. Não por acaso, quando os trabalhadores se dispersam a exploração aumenta, o salário é congelado, a comida fica cara, o preço do gás leva parte significativa do dinheiro da alimentação.
Outra forma de enfrentar o capital e não deixar que o mercado dite as normas da economia é eleger um governo que fique ao lado dos trabalhadores e garanta uma melhor distribuição de renda.
Se houver organização dos trabalhadores e um governo popular, mais dignidade para todos existirá.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 06.05.2025
QUEM DIRIA, O ANTICOMUNISMO NÃO DEIXA O SONHO COMUNISTA MORRER
Vivi como militante os últimos dez anos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, do Muro de Berlim e da Guerra Fria.
Falei aos meus botões, caminhando pelo Igarapé de Manaus no início dos anos 90: a propaganda anticomunista agora perde o sentido. Não há mais ameaça.
E assim os anos se passaram.
Continuei comunista, fui para universidade e virei um sociólogo comunista nascido e criado no meio da floresta amazônica. Um boto vermelho.
Vi e ajudei renascer a democracia no Brasil. Ainda andei sentindo o cacetete da ditadura, suas celas fétidas e o cheiro de enxofre dos seus agentes. Sobrevivi, ao contrário de muitos dos meus e minhas camaradas.
Pois bem. Já me sentia solitário e esquecido na minha utopia marxista, quando vejo ressurgir um macarthismo em pleno século 21, mais de trinta anos após a queda do Muro, e aqui no Brasil, país que já tinha enterrado Plínio Salgado e seu integralismo tupiniquim.
Desta vez a máquina anticomunista não é a velha imprensa marrom das cinco velhas famílias tradicionais, mas os meios criados pelas novas tecnologias da informação e da comunicação. Agora, a notícia ganhou mais rapidez e eficiência.
Nas minhas aulas de sociologia da comunicação com o mestre Ricardo Parente aprendi a perceber o sentido ideológico da comunicação. A partir dali fui dialogar com a semiótica para entender signos e significados nos textos jornalísticos.
Hoje, pouco importa a beleza do texto para quem coordena uma fábrica de fake News a devorar mentes e o vazio que nela existe.
Se o meio é outro, não podemos dizer o mesmo dos produtos. Mentiras, ódio e poder dão vida ao velho anticomunismo macarthista e integralista da Guerra Fria.
Mesmo as produções jornalísticas perderam seu estilo sutil de ideologizar através de um título ou das entrelinhas da matéria. Agora tudo é propaganda direta, cínica e, muitas vezes, mentirosa.
O anticomunismo voltou com o mesmo vigor dos velhos tempos, mas num trem-bala ou montado num satélite ou em ondas eletromagnéticas.
Ao comunismo não foi dado sequer um breve descanso na história. Ele está vivo nos nossos sonhos, nas nossas lutas e nas mentes insanas dos estúpidos.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 01.05.2025
GLAUBER FICA
O Conselho de Ética da Câmara Federal perdeu a ética e se transformou num conselho inquisitorial. Sim, nos mesmos moldes do medievalismo, quando a verdade era queimada em fogueiras acesas pela ignomínia.
A condenação do deputado Glauber Braga nesse fórum é uma afronta à democracia e ao próprio processo civilizatório. É uma perseguição medieval para calar quem discorda, quem se opõe à corrupção e ao reacionarismo.
Glauber não cometeu crime.
O criminoso é o Chiquinho Brazão, que até hoje, mesmo preso, continua deputado federal e ganhando salário pago com os impostos do povo. Esse bandido os deputados bolsonaristas do Conselho de Ética protegem, assim como defendem a anistia para centenas de criminosos.
O ataque contra o deputado Glauber Braga é um ataque contra a democracia e um retrocesso às trevas. É estarrecedora a posição despudorada da bancada da extrema direita na câmara. Seus deputados perderam o pouco que tinham de dignidade ao condenar uma vítima.
Glauber reagiu à violência do grupelho fascista MBL como qualquer outro ser humano honrado reagiria. Teve o nome da sua mãe enxovalhado pela indignidade dessa turba, quando a senhora padecia num leito hospitalar. Somente gente sem humanidade pode considerar a reação do Glauber uma agressão.
Uma possível cassação do deputado Glauber Braga será uma desonra para a Câmara Federal, uma casa desgastada pela instrumentalização irresponsável daqueles que ainda se nomeiam bolsonaristas.
A sociedade civil e todos os democratas deste país precisam proteger o mandato do Glauber. A perseguição por ele sofrida é uma orquestração dos patronos e dos beneficiados pelo esquema do orçamento secreto e das emendas-pix. É isso. Glauber denunciou e tirou o caviar da boca dessa canalha.
Glauber fica. A democracia fica.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 16.04.2025
A QUESTÃO DEMOCRÁTICA
Com a ascensão da extrema direita no mundo, a democracia voltou a entrar na ordem do dia. Mesmo tendo chegado ao poder através do voto, essa corrente política e ideológica insiste em posições autoritárias e excludentes. Não se impõe na maioria dos Estados nacionais, mas ameaça boa parte do mundo ocidental, até mesmo em países com tradição democrática.
Essa ameaça desperta um debate inevitável: o que é a democracia nos dias atuais?
A extrema direita atua no campo democrático, mas combate esse regime. Trata-se de uma contradição fundamental, sem uma explicação coerente, apenas fundada numa compreensão tacanha de disputa do poder.
A democracia foi criada num estado de minoria. Escravos e mulheres não votavam. A maioria era composta de cidadãos, aqueles que tinham bens. Ou seja, essa maioria era uma minoria elitizada.
No Brasil, as mulheres só tiveram direito de votar a partir de 1933. Antes disso, negros e negras libertos também não votavam, impedidos pela Lei Saraiva, que limitava o voto a quem era alfabetizado.
A democracia começou torta, desde a Grécia escravagista. Até hoje é instrumento retórico, puxado pelo interesse da minoria dominante, como naquela Grécia antiga, onde a cidadania era reconhecida apenas para quem tinha bens.
A democracia hoje, desde seu primeiro respiro no mundo moderno, se tornou um afago da classe dominante aos anseios libertários da classe dominada. Você vota e tudo se resolve na representação, naquele que você votou.
Isso é ultrapassado. A democracia precisa ser repensada. A eleição deve ser um instrumento de inclusão e não de exclusão de parte que constitui a sociedade e a própria população.
A democracia hoje não pode ser a democracia grega da escravidão. Ela tem que incluir todos e todas, sem distinção de cor, raça, credo, sexualidade, estrato social, posição política e ideológica.
Tomemos como exemplo o país de Trump, capitão-mor da extrema direita.
Dá pra dizer que a democracia dos Estados Unidos é uma democracia? Sim, dá. Mas não é modelo de democracia. Lá tem racismo oficial, tem eleição indireta para presidente, tem compra de votos, tem apenas dois partidos que disputam a eleição há 170 anos. E tem gente que diz que é a maior democracia do mundo.
Não. Democracia é inclusão, hoje. Não é mais uma democracia censitária. Aquilo foi no início. Se tem país que ainda mantém esse modelo, não é mais democracia. Avançamos. Os modelos de inclusão podem ser através de comitês populares, colegiados, territórios eleitorais, etc.
A democracia representativa é uma fraude. A sociedade precisa ser empoderada e se tornar força política. Não precisamos de modelos. Precisamos construir meios para continuar desenvolvendo a sociedade e a civilização.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 13.04.2025
UM RASTRO DE SANGUE, INCOMPETÊNCIA E CORRUPÇÃO
A extrema direita se divide em dois segmentos fundamentais. Tem uma massa de ignorantes, que não sabe o que é uma ditadura, e uma turba de malfeitores, que sabe o que foi a ditadura militar e vê nela possibilidade de eliminação do outro e de ganhos desonestos sem punição.
Vejamos os indicadores que mostram a tragédia política, social e econômica da ditadura militar.
Em 1984, a inflação era de 223%.
A dívida externa saltou de 3,6 bilhões em 1964 para 93 bilhões em 1984.
O analfabetismo entre pessoas de 10 a 14 anos era de 19% em 1983.
A educação e a cultura eram engessadas pela famigerada Lei de Segurança Nacional, levando o ensino a um processo cruel de distanciamento da realidade e as escolas ao sucateamento.
A corrupção aumentou e escândalos como da Coroa/Brastel e da Transamazônica se tornaram conhecidos da população, mesmo com a imprensa censurada.
Não menos escandalosos foram os atentados terroristas no Riocentro e na sede da OAB, matando dona Lídia, servidora da Ordem, e os militares terroristas.
Centenas de brasileiros foram torturados, mortos e sequelados nos porões da ditadura. Figura como Brilhante Ustra, herói do traste inelegível, empregava os métodos mais cruéis de tortura, massacrando mulheres e até mesmo crianças.
Em resumo: só uma mente perversa, que odeia o Brasil e a democracia, é capaz de defender um período tão trágico e desumano.
Aproveito para dizer que nada justifica o apoio ou a defesa da ditadura militar. Nem mesmo os ignorantes de plantão têm esse direito.
Negar a tortura e os crimes militares é tão nefasto quanto os atos em si. Ignorância não pode ser sinônimo de perversidade.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 01.04.2025
PLÍNIO VALÉRIO E A VIOLÊNCIA CONSTRUÍDA
O que leva um homem a sentir o desejo de enforcar uma mulher que não lhe oferece qualquer perigo? Seria esse desejo macabro um sinal de psicopatia?
Não sou psicólogo nem psiquiatra, mas a sociologia me permite fazer uma imersão na história para tentar entender o comportamento violento do indivíduo na sociedade, fundamentalmente aquela conduta desagregadora e sem empatia.
Na antiguidade, indivíduos com condutas agressivas e profanas eram considerados possuídos pelo demônio. Assim, sua cura poderia ser alcançada pelo exorcismo. Foi a partir do século XIX que estudiosos da medicina passaram a entender a crueldade não como loucura, mas como perturbação mental caracterizada por padrões comportamentais e afetivos.
Feita essa contextualização científica, não me permito entrar no campo da psiquiatria. Passo a tratar da visão sociológica sobre a violência ou o desejo revelado de esganar um opositor político.
O senador Plínio Valério não se tornou um facínora de uma hora pra outra. Ele tem lastro. Primeiro, é filho da oligarquia latifundiária do Alto Juruá, no Amazonas, aquele segmento social e econômico que construiu seu poder oprimindo o caboclo, tomando suas terras e sugando seu sangue. Ele cresceu nesse ambiente de violência.
Já crescido, foi da juventude da ARENA, partido de sustentação da ditadura militar. Ou seja, Plínio nunca defendeu a democracia e foi um agente do autoritarismo.
Em tempos recentes, foi eleito senador, na onda fascista que tomou conta do Brasil por quatro anos e ainda resiste sob o manto de tudo que não presta. Viu na ascensão da extrema direita uma nova oportunidade de um Brasil mergulhado no obscurantismo. Novamente, abraçou esse projeto, porque tem uma história de vida impregnada pela violência.
Ter vontade de enforcar uma mulher negra, fisicamente frágil, defensora da natureza não se trata de um deslize do discurso, mas de uma conduta. Plínio apoiou a ditadura militar, logo apoiou a tortura, as prisões ilegais, os assassinatos cometidos pelo regime. Quando viu Bolsonaro defender o sádico Brilhante Ustra, se regozijou.
Em resumo, Plínio Valério não é um psicopata. Pode até mesmo apresentar alguns sintomas do transtorno, mas sua violência foi construída no ódio de classe, na opressão dos mais fracos, no desejo macabro de matar, enforcar, bater, humilhar. Ele, Bolsonaro e outros tantos são da mesma laia e representam uma ameaça permanente à civilização.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 23.03.2025
A MALDADE ALÉM DO BEM E DO MAL
A humanidade não se divide entre o bem e o mal. Este maniqueísmo tem sua origem na religião, apesar do sentimento ser anterior; mas só se estrutura a partir da ideia de deus e diabo como entidades metafísicas determinantes nas condutas humanas.
O bem já serviu, e ainda serve, à prática do mal. Saquear, matar, mentir, enganar já foram feitos em nome de um bem superior. A igreja católica que o diga. Hoje, o evangelismo cristão é a nova doutrina objeto da manipulação defraudada.
Fora das estruturas religiosas, ou além delas, o indivíduo vem se refestelando com suas maldades. O faz, também, em nome do bem. Mas aí repousa uma iniquidade mais perigosa, pois não tem foco no poder, como o faz a religião, e sim na formação de um caráter desviante, sórdido e abominável.
Ele defende a vingança, por exemplo, como sentimento e prática aceitáveis socialmente. Defende a morte não como parte de um ciclo natural da vida, mas como solução de um ou vários problemas. Olha o outro com um preconceito dizimador: não se contenta com a exclusão; quer seu extermínio físico.
Este indivíduo superou a ideia do bem e do mal ao eliminar a linha que os separavam. Ele não quer saber se está fazendo o bem ou o mal. Basta para ele a satisfação pessoal de superioridade do seu pensamento. É uma nova prova inconteste que a humanidade guarda surpresas que transpõem velhas estruturas.
O problema é que essa superação é a da volta às trevas ou a criação de uma nova escuridão.
Um autoritarismo intrínseco, construído por uma cultura autoritária que remonta os primórdios da história, envolvendo suas mais diversas formas de dominação, vem caracterizando novos indivíduos, suas personalidades e seus caracteres.
O autoritarismo exacerbado não está no campo maniqueísta do bem e do mal. Ele está além e só quer saber do seu triunfo enquanto forma e prática dominantes.
É nesta perspectiva que encontramos nas esquinas, becos e vielas indivíduos defendendo a pena de morte, o racismo, o preconceito, a opressão da mulher pelo homem e outras atrocidades.
É claro que algumas estruturas dominantes, como doutrinas religiosas, políticas e filosóficas reforçam esse espírito dizimador, mas o que me amedronta é seu caráter autônomo: o indivíduo passou a ser sozinho uma estrutura de opressão.
Como resistir a isto? somente a partir de uma prática inversa, onde a democracia e a justiça se tornem bens culturais e humanísticos.
Não precisamos do bem e do mal, mas de valores que ajudem a construir uma nova humanidade, fundada no respeito ao outro, na solidariedade e no amor.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 14.03.2025
AINDA ESTOU AQUI
Nestes primeiros meses de 2025, completo 45 anos de militância política e social.
Eu ainda era um garoto de 14 anos quando a moçada do Diretório Universitário da Universidade do Amazonas, hoje DCE da UFAM, foi à minha escola, Nossa Senhora das Graças, no Beco do Macedo, convidar para uma reunião de mobilização da campanha pela meia passagem.
Pronto. A partir daquela primeira reunião nunca mais larguei da luta social. Entrei para o Partido Comunista Brasileiro, PCB, e ali iniciei minha formação política.
Ainda perdurava a ditadura militar, com início da abertura, anistia, volta dos exilados e direito de organização. Surgia o Partido dos Trabalhadores e a luta pela democracia era intensa, com a retomada dos sindicatos sob intervenção do Estado e/ou sob o domínio de dirigentes pelegos.
Em 1981, na luta pelo Passe Único, a polícia da ditadura, no governo José Lindoso, reprimiu violentamente nossa manifestação na Praça São Sebastião, invadiu o templo católico, onde nos refugiamos, e nos espancou sem dó. Ainda um garoto de 15 anos e com muitos outros e outras da minha idade fomos levados para a DOPS e ali submetidos a agressões e humilhação.
A luta nunca foi fácil.
Outras prisões vieram.
Fiz parte da comissão de reconstrução da UESA e me tornei líder estudantil secundarista. Fui coordenador da Juventude Comunista do Partidão por muitos anos. Participei de associação, comunitária, sendo fundador do Bairro Tancredo Neves. Estive presente em todas as lutas pela redemocratização do país aqui em Manaus.
Na campanha pelas eleições diretas, ainda com 18/19 anos, dircursei no ato histórico na Praça do Congresso, representando o ainda ilegal PCB, ao lado de Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Dante de Oliveira, Tancredo Neves e outros políticos nacionais.
Foram muitas as lutas. Aos 59 anos, me orgulho do que o movimento social me transformou. Nunca fiz do conhecimento um instrumento divorciado da minha construção como ser humano. Se defendo a revolução, é de amor, de paixão, de solidariedade, de fraternidade e de igualdade que estou falando e esses valores devem fazer parte da minha vida. Foi e será sempre assim.
Muitos companheiros foram ficando na caminhada. Alguns partiram definitivamente da vida e outros pularam para o outro lado. Mas continuo aqui, vivo, romântico, utópico e sem abrir um centímetro dos meus sonhos por uma sociedade justa e igualitária.
Muitos companheiros continuam vivos, e na luta. São meus camaradas, irmãos e irmãs de coração. Como dizia Neruda, formamos uma boa família, temos a pele curtida e o coração moderado.
A luta social me fez mais humano. Minha lágrimas continuam presentes, derramadas pela alegria ou pela indignação. Nunca pensei em me resignar a nada. É da luta que estou falando. É da luta por um mundo melhor que me alimento todos os dias.
Quando eu já tinha como certo que o Brasil não mais correria o risco de um retrocesso político, o fascismo chegou novamente ameaçando a democracia. Derrotamos o fascismo e garantimos a democracia. No entanto, a ameaça persiste. Ou seja, a luta sempre será necessária e enquanto eu estiver vivo, meu braço erguido nas ruas, a tinta implacável saída das minhas mãos e minha voz continuarão servindo ao sonho de todos e todas que lutam por justiça social.
Obrigado aos meus companheiros e companheiras que tanto me ensinaram e continuam me ensinando a ser melhor. Seus braços entrelaçados aos meus servem de oxigênio para respirar e para continuar lutando.
Como dizia Nestor Nascimento, A LUTA CONTINUA.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 09.03.2025
A RAZÃO DA PRIMAVERA
É verdade, sou um romântico. E não pretendo abrir mão disso que considero uma qualidade humana.
Escrevo em resposta àqueles que pensam estar desqualificando meu discurso me chamando de romântico.
O fazem tendo como medida a velha ideia do domínio absoluto da razão, esta senhora dizimadora de sonhos e beleza humana.
Cresci ouvindo essa conversa de que devemos nos instrumentalizar da racionalidade para acertar as coisas; que está na razão o recurso da verdade e o aproveitamento da experiência. E que tudo que fugir ao raciocínio lógico é temerário e de consequência duvidosa.
Aí fui crescendo e procurando dialogar com as várias razões que nos cercam. Na ciência, desfiz minhas crenças religiosas. Na filosofia, vi a força do ethos. Na religião, descobri a positividade dos dogmas. E mesmo no senso comum extraí algum tipo de razão instrumental.
Quando achei que tinha descoberto uma forma de entender e mudar o mundo descobri que todas as razões, e até mesmo a mais soberba delas, foram e são as responsáveis pela construção do mundo que temos, desamparado de ternura e de romantismo.
A razão não só profanou mentes e convicções, como destruiu possiblidades de diálogo com valores humanos imprescindíveis para edificação de uma humanidade desenvolvida e plena.
Foi com a razão que se fizeram duas guerras mundiais e no seu berço se viu a opressão persistir. Foi na razão que a bomba atômica caiu sobre Hiroshima e Nagasaki. Foi em nome da razão que a opressão do capital prosperou, arrancando a carne de idosos e crianças.
Não. Não é essa a razão que um dia iluminou pensadores e chegou a nutrir a esperança de um mundo mais fraterno.
Sigo romântico, sim, com muito orgulho e vontade de mudança, mas não me venha dizer que a razão que você defende nos fez melhor ou socializou bens e qualidade de vida.
Se houver uma razão de vida e esperança, que ela seja a da primavera.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 03.03.2025
O PROCESSO DE ELEIÇÕES DIRETAS DO PT
Sei que o PT dá um nó na cabeça de muita gente. É difícil compreender um partido tão diverso de ideias e gente com perfil diferenciado diante da história da esquerda no mundo, protagonizada pelos partidos comunistas com orientação dominada pelo pensamento marxista-leninista.
O PT é hoje o que, mais ou menos, preconizava o Partido Comunista Italiano, que defendia uma organização heterodoxa, com muito pluralismo de ideias e unidade de ação, o que ficou conhecido como unidade na diversidade. O PCI logo foi acusado de querer criar um "eurocomunismo" ou um pensamento fora do dogmatismo dominante.
Décadas depois desse debate, aqui no Brasil, um país com pouca história democrática e vivendo sob uma ditadura, foi criado o Partido dos Trabalhadores, com uma estrela como símbolo e não uma foice e um martelo. 45 anos passados e o PT está governando o país pela quinta vez.
Pois não é que os eurocomunistas estavam certos, inclusive naquilo que defendiam como transição democrática e hegemonia da sociedade civil.
Estamos longe da hegemonia, mas o PT se tornou um dos maiores partidos de esquerda do mundo. É um projeto político de partido que deu certo, com um vasto espectro de pensamento, inclusive ideológico, que inclui na sua composição segmentos sociais diferenciados, mas representativos da sociedade.
O PT E O PED
É esse partido que dia 6 de julho deste ano realizará eleições diretas entre seus 1,7 milhão de filiados, para eleger todos seus dirigentes, em todo o país.
O PED - Processo de Eleições Diretas do PT foi aprovado no seu 2⁰ Congresso, em 1999, e em 2001 foi posto em prática, mobilizando centenas de milhares de filiados e militantes. Antes disso, as eleições eram colegiadas, em encontros com delegados eleitos em instâncias partidárias.
Em 2005, quando os opositores do PT diziam que o partido ia acabar, 315 mil filiados e filiadas votaram no PED. Em 2013, depois das manifestações de junho, que emparedaram o governo Dilma, foram 420 mil votantes.
O Processo de Eleições Diretas do PT se tornou um projeto ousado de mobilização e de participação dos seus filiados e um modelo único no mundo, dentre os partidos de massa. Representou o rompimento com o método tradicional de eleição e incorporou milhares de militantes e filiados na definição do partido como organização política estratégica.
Ainda tem falhas no processo, obviamente, mas sua implementação é fundamental para o crescimento e a consolidação do PT como partido de massa e alternativa de poder popular. As eleições do partido, além de diretas, têm critérios de participação. Tem paridade de gênero, tem cotas e a disputa proporciona um momento de debate sobre concepções políticas.
O diretório nacional do PT tomou a decisão acertada em garantir eleições diretas em todos os níveis para o partido. O PED tinha sofrido alteração há alguns anos e somente as direções municipais eram eleitas pelo voto direito dos seus filiados e filiadas. Dia 17 de fevereiro passado, por ampla maioria, os dirigentes aprovaram a volta do PED em seu formato original.
O PT dá um grande exemplo para o Brasil e para o mundo, ao valorizar o voto universal. O PED, por essência, é inovador e inclusivo.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 21.02.2025
O PROBLEMA DA COMUNICAÇÃO DO GOVERNO LULA
Desde o início do governo Lula que sua base de apoio - a esquerda e setores progressistas - externa descontentamento com a falta de divulgação das ações do governo e/ou como vem se dando a sua forma de se comunicar com a população.
Pegaram o Paulo Pimenta, ex- titular da Secretaria de Comunicação, para Judas, ou para pato, lhe atribuindo ineficiência e, até mesmo, incompetência. No seu lugar foi colocado o marqueteiro da campanha do Lula em 2022, Sidônio Palmeira.
No ofício de sociólogo, não acho correto atribuir um problema grande a uma pessoa ou mesmo a um grupo, quando este é a parte de um todo mais complexo. É possível até melhorar a ação mexendo numa peça ou noutra, mas o problema persistirá.
No meu singelo entendimento o governo tem um problema de gestão e não de comunicação.
O governo federal tem hoje cerca de 28 mil cargos comissionados, distribuídos por todo território nacional e fora do país. Diferentemente dos governos passados do Lula, esse exército de confiança tem pouca mobilidade, sem recursos para viagens e diárias.
Esses agentes públicos ficam de mãos atadas e pernas acorrentadas nas sedes dos seus órgãos, ou seja, nas capitais, sem poder se articular com o público-alvo das suas ações. Tem muito dirigente de órgão que viaja a trabalho com combustível pago do seu bolso ou no seu próprio carro.
Sem a mobilidade do gestor público, as ações do governo federal que chegam aos municípios são apropriadas pelo prefeito e pelo governador. Essa ausência também facilita as notícias falsas, geralmente disseminadas pela oposição, muito eficiente nessa conduta.
Outro problema de comunicação, causado pela falta de gestão, é a ineficiência dos ministérios. Seus ministros não têm criatividade e parecem desconhecer a capilaridade das suas pastas. É muita política e pouca ação. Esse povo do centrão é um atraso para qualquer administração e os gestores de esquerda também não ajudam. Falta ousadia, criatividade, vontade de caminhar.
Outro fator que está amarrando a gestão de ponta do governo Lula é a impossibilidade do dirigente de nomear seu staff, sua equipe, ficando refém dos funcionários da casa, que cumprem sua carga horária e tchau. Fico imaginando eu dirigir uma instituição e não poder levar comigo meu chefe de gabinete, meu diretor financeiro, meus assessores. É melhor nem aceitar uma bomba dessa.
Diante dessa realidade, pode colocar o melhor de todos os marqueteiros ou o melhor dos profissionais de comunicação que o governo continuará com dificuldade de fazer chegar suas ações como suas ações até à população.
Por fim, como se não bastassem tantas amarras, o gestor federal nos estados não tem sequer um jornalista para divulgar suas ações e toda e qualquer divulgação tem que passar por Brasília. Ou seja, você mesmo escreve um release, manda para a secretaria de comunicação e depois de um mês tem autorização para divulgar. Aí já viu, né.
E agora por fim mesmo, a Secretaria de Comunicação do governo Lula tem que trabalhar com as mídias regionais. É ela que chega na ponta. Ficar jogando fortunas para a Globo, CNN, Band e SBT não ajuda muito. Essa cambada é do mal.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 16.02.2025
O PT EM MANAUS E A DERROTA DA DIALÉTICA
Quando pensei nesse título, lembrei da tese de Leandro Konder, posteriormente transformada em livro.
Nele, o filósofo marxista indica as limitações que recepcionaram as ideias de Marx no Brasil, como a influência anarquista, o próprio stalinismo e a iniciante formação de uma classe operária.
Mas quem sou eu para tentar desvendar a negação da dialética que o PT assumiu em Manaus e suas peripécias pelo mundo distópico. Quero apenas indicar alguns problemas conjunturais.
O PT realiza desde 2001 o PED - Processo de Eleições Diretas, como resolução do seu II Congresso, ocorrido em novembro de 1999. No PED, todas as direções do partido são eleitas pelo voto dos seus filiados com mais de um ano de filiação.
Vejamos um pequeno trecho da resolução do II Congresso.
"Eleições diretas para presidente e direções partidárias em todos os níveis, a partir do ano de 2001.
... Em todas as instâncias partidárias deve ser desenvolvido intenso debate
político durante os 30 dias que antecedem as datas dessas votações. Os Encontros e Congressos devem ser precedidos obrigatoriamente de atividades político- culturais; debates, seminários e conferências, publicitadas e abertas a todos."
Pois bem. Este ano teremos as eleições para eleger todos os dirigentes do PT, de Uarini à grande São Paulo, de Eirunepé a Belo Horizonte. Será dia 6 de julho, com cerca de 1,7 milhão de filiados aptos a votar.
Aqui em Manaus, o processo tem seguido por caminho desviante.
O PED foi criado como mecanismo de mobilização e fortalecimento do PT. Por sinal, é o único grande partido no mundo que elege seus dirigentes pelo voto direto dos filiados.
Acontece que aquela resolução congressual, que criou o programa, falava em intensos debates, seminários, atividades políticos-culturais, conferências, que deveriam preceder as eleições.
Isso tudo como parte do processo de fortalecimento do partido.
O PED é um processo interno do PT. Nele deve ser debatido o partido, suas táticas e estratégias, tudo de acordo com as normas estabelecidas.
Aqui em Manaus, esse processo dialético foi derrotado antes das eleições e sem qualquer causa objetiva, como aquelas apresentadas por Leandro Konder.
O PED foi atirado na rua pela janela do partido e caiu no colo da direita, da extrema direita e dos inimigos do PT. O que era pra ser interno virou notícia negativa na mídia corporativa, nas tintas borradas de blogueiros e nas línguas necrosadas de influenciadores.
As disputas internas no partido saíram do ambiente interno, do debate de ideias, do conflito que faz crescer, para aporrinhar o povo e a sociedade manauara, logo essa gente que tanto precisa de política e não de baixaria.
Sim, a dialética está derrotada diante de dirigentes que não reconhecem a importância do conflito no processo de construção e o transformam em instrumento de autodestruição.
Concluo sugerindo que militantes e dirigentes tragam o PED de volta para o ambiente interno do partido e dele façam um momento de reflexão sobre o PT, tracem táticas e estratégias para superar dificuldades.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 25.01.2025
MINHA CASA MINHA VIDA, MORADIA SEGURA PARA QUEM PRECISA, JÁ
Moro no bairro da redenção, em Manaus, onde houve na madrugada de domingo, 19, um desbarrancamento que matou duas pessoas - pai e sua filhinha de 8 anos.
Redenção tem cerca de 4 mil casas, muitas delas em área de risco. O bairro todo tem acidentes geográficos, ou seja, tem um relevo diferenciado, com muitos barrancos e baixadas.
Mas foi aqui que milhares de famílias encontraram um lote para construir suas casas, desde a década de 1970, quando o bairro foi fundado.
A tragédia ocorrida, com duas mortes e outros feridos, foi anunciada. Infelizmente, outras virão, não só aqui, mas noutros bairros, já que Manaus é a capital do Brasil com mais áreas de risco.
Sugiro à prefeitura de Manaus que priorize no Programa Minha Casa Minha Vida essas famílias que moram em áreas inseguras.
Tem muita gente "sorteada" no programa que não precisa. Mora dois meses e aluga ou vende.
É preciso ter mais critério nesse "sorteio".
As famílias que moram em áreas de risco devem ter prioridade, sem necessidade de sorteio. A condição de vida delas corresponde ao objetivo do Programa.
Se o prefeito David Almeida, no final desse mandato que iniciou agora, conseguir dar segurança de moradia para nossa gente que mora em locais insalubres e de risco, terá feito a grande obra social da sua gestão.
Vamos lá, prefeito. Faça um esforço e pense naqueles que precisam. As moradias do Minha Casa Minha Vida já estão em construção e outras serão construídas com recursos federais.
Tem dinheiro, dá pra fazer.
Ninguém está precisando de parque de concreto. Nosso povo precisa de casas de concreto em áreas seguras.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 21.01.2025
ZUCKERBERG, O VILÃO DA INFÂMIA E DO ÓDIO
Zukcerberg não é apenas o senhor das big techs do século XXI. Ele é um Lord Voldemort à procura de destruir a verdade.
Na semana passada, Mark Zuckerberg anunciou como nova política da sua empresa, a Meta, controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp, o encerramento do programa de verificação de notícias falsas e a redução do controle contra discurso de ódio.
Com essa medida, passa a formar dupla com Elon Musk, o bilionário infame que acha que é o Coringa, e se alia ao recém-condenado e eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A turma de vilões está formada.
Tudo poderia parecer um filme de aventura ou ficção, com personagens satíricos, pueris e admirados por milhões de espectadores, se não fosse real e ameaçador.
As redes sociais tomaram conta da vida dos indivíduos, em razão da necessidade humana de comunicação. Com elas, a comunicação tirou o interlocutor da condição de passividade e passou a ser sujeito ativo, em diálogos reais, seja com outro indivíduo ou com um robô, criado e programado por outro indivíduo.
Não é possível voltar atrás nessa relação dinâmica, mas é preciso ter um controle sobre sua política.
Permitir que as big techs determinem que as redes sociais sejam espaços virtuais de promoção de ódio, crimes e mentiras é decretar o fim do processo civilizatório e a instauração de uma nova barbárie, com o uso da Inteligência Artificial.
A infâmia que regula o caráter dos Lord Voldemort das big techs e seus comensais da morte de extrema direita não pode se tornar uma política de domínio das redes sociais e da comunicação de massa. Isso seria o fim do pouco de respeito e tolerância que a humanidade construiu.
O que está em jogo não é a liberdade de expressão, mas o fim dela, com o domínio absoluto de meia-dúzia de bilionários metidos a Lex Luthor. A liberdade de expressão é um valor da democracia e não espaço de promoção do terror e da desinformação.
Permitir a mentira, a disseminação do ódio e a propaganda a favor do crime para aumentar engajamento e o capital da sua empresa revela o risco que a ganância dos donos das big techs representa para a humanidade.
No Brasil, a extrema direita vem impedindo a tramitação do marco regulatório da internet no Congresso Nacional, pois é das fake news que ela vive e engana o povo brasileiro, mas a sociedade civil precisa se mobilizar e garantir a liberdade de expressão como valor da democracia e não do capital.
Lúcio Carril
Sociólogo
Artigo Publicado em 15.01.2025
OS AMANTES E AS AMANTES NA LITERATURA, NA HISTÓRIA E NA HIPOCRISIA
As amantes agora foram tiradas do seu sossego milenar pelas reações de algumas almas puras à fala do presidente Lula, que usou como exemplo essas personagens da história e da literatura universal para falar do seu amor pela democracia.
O olhar moralista, e sempre hipócrita, deforma toda realidade, lhe tirando beleza, poesia e inteligência. Consegue ver erro até mesmo naquele que ama.
Mas o que seria da literatura sem uma Anna Keriênina e sua paixão proibida pelo conde Vrónski, personagens de Liev Tolstói, cuja obra trata de drama familiar, casamento e a decadência da aristocracia russa na segunda metade do século XIX.
No mesmo período histórico, Flaubert inquietou a sociedade parisiense com Madame Bovary, o que lhe rendeu um processo por ofensa à moral e à religião. A infeliz Emma não via possibilidades de vida no seu casamento e procura nos amantes o afago não encontrado no marido.
Na sua defesa perante o tribunal, a frase famosa do escritor realista: Emma Bovary c'est moi" (Emma Bovary sou eu).
Todos nós somos um pouco Emma Bovary, nem sempre nas possibilidades de um outro amor, mas na busca pela felicidade romantizada na literatura, que tanto alimentou seus sonhos.
A literatura nunca virou as costas para a realidade, bem diferente das instituições morais e religiosas, sempre alertas para a defesa dos bons costumes, apesar das suas práticas inconfessáveis.
E foi assim que Machado de Assis nos apresentou Capitu e as dúvidas de Bentinho, compartilhadas por nós, leitores, até hoje.
A vida continua seguindo e nossos encontros com a história também não são furtivos, como aquele e aquela amante revelados nos belos romances.
Frida Kahlo e Trotsky se tornaram amantes.
William Shakespeare e o figurinista William Hart foram apaixonados, mesmo com o autor casado com a atriz Anne Hathaway, com quem teve um filho.
Rainha Victoria e a Princesa Diana não foram as únicas realezas a ficarem famosas. Seus amantes também viraram personagens históricos.
Barbara Villiers se tornou, em 1660, amante do rei Carlos II de Inglaterra e teve destacada atuação no seu reinado, fazendo parte do Conselho Real.
Agnés Sorel saiu de dama de companhia da esposa de Carlos VII para ser sua amante, em 1444. Tiveram três filhas.
Madame de Pompadour encantou Luís XV, que nomeou o marido da amante embaixador nos cafundós do judas.
E assim literatura e história foram se encontrando em castelos, bailes, cidades e vilas, revelando ao mundo que o impossível existe fora dos lençóis da hipocrisia e do falso purismo.
Tanto na literatura como na história, homens e mulheres escolheram uma vida além do casamento. Isso é real. Ainda que alguns insistam em defender apenas vida depois da morte, o que é improvável.
O presidente Lula apenas viajou no tempo da história e da literatura ao colocar no seu discurso uma personagem presente nos belos dramas e romances da vida.
Lúcio Carril
Sociólogo.
Artigo Publicado em 10.01.2025
DEPOIS DE FINACIAR A TENTATIVA DE GOLPE, O AGRO TENTA AGORA O RIDÍCULO
Depois de Bolsonaro, se tornou comum gente envolvida com a polícia falar em disputar eleição. Claro, essa laia está sempre à procura de um jeito para se livrar da cadeia ou da publicidade negativa.
Não causou estranheza quando nesta semana o cantor sertanejo Gusttavo Lima disse que pretende ser candidato a presidente da república. Nada mais comum, depois de um Pablo Marçal e outros da corja, espalhados pelo país.
Gusttavo Lima tem protagonizado a mídia nacional não somente pela sua música de baixo sentimento, mas pelo seu envolvimento com o crime organizado, o que lhe resultou em dois indiciamentos por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Sua ligação nefasta com o que é errado não se limita ao crime organizado. Ele tem ligações profundas com o agronegócio brasileiro.
Seguindo a linha do seu guru político, Bolsonaro, declarou de no dia de ontem, 03, que " o Agro não aguenta mais pagar impostos". Uma mentira deslavada.
O Agro brasileiro tem subsídio anual de 400 bilhões de reais e ainda financia bancadas de deputados e senadores para ampliar esse benefício nada patriótico.
O agronegócio brasileiro atua de forma criminosa contra o meio ambiente e despeja sobre a cabeça de crianças, jovens e idosos toneladas de venenos agrícolas, lhes causando câncer e outras doenças letais.
Gusttavo Lima é mais um dos seus fantoches para protagonizar o noticiário nacional com a defesa dos seus interesses. O cantor se serve a isso porque também precisa esconder seus crimes.
Essa junção da música de baixo sentimento com o agronegócio é uma ação planejada. Não é de hoje que ruralistas bancam cantores de um pseudo sertanejo para tecer loas à sua cultura de destruição ambiental sob o manto da grande produção de alimentos e geração de riqueza.
Esse ritmo musical que Gusttavo Lima representa não tem lastro no sertanejo raiz do Brasil, nascido da cultura dos nossos povos tradicionais. Ele foi criado em estúdios financiados pelos mesmos ruralistas que financiaram a tentativa de golpe de Estado, recentemente.
Esta união é a do crime e tem como meta tirar o Brasil do caminho da democracia e do crescimento. O agronegócio não conseguiu dar o golpe e agora mete nosso país no ridículo ao lançar um indivíduo totalmente desqualificado e envilvido com o crime para disputar a presidência da república. Não passarão.
Lúcio Carril
Sociólogo.
Artigo Publicado em 06.01.2025